Sergio Cruz Lima
Notas sobre a guerra paraguaia
Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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O Brasil jamais viveu um conflito como a Guerra do Paraguai. Nele, surgem os curepas, caboclos, cambás e macaquitos, homens que se mataram nos pântanos paraguaios à base de lanças, garruchas, carabinas, espadas e fuzis, odiando-se mutuamente, embora não soubessem muito bem por quê. Não se tratam de heróis infalíveis nem de deuses do Olimpo, mas são homens simples, de carne e osso, que erram, acertam, delinquem e, por vezes, se dão o azo de ser covardes.
Curepa quer dizer "couro de porco" ou, como diziam os paraguaios, "cuero de chancho". De pele clara e rosada, em oposição aos negros brasileiros e indígenas paraguaios, curepas eram os argentinos. Vários batalhões argentinos usavam botas feitas de couro de porco, portanto brancas, inadequadas ao terreno alagado onde se realizavam os combates. É um apelido considerado agressivo, até hoje aplicados em Assunção aos irmãos argentinos. Em contraposição, os argentinos costumam chamar os paraguaios de paraguitas ou paraguas, um apelido sem conotação agressiva, ao contrário de curepa, como disse.
Cambá significa, em língua guarani, gambá. Era um apelido depreciativo usado pelos paraguaios contra os brasileiros. O vocábulo é referência à cor negra da pele de boa parte dos soldados imperiais e ao animal que expele cheiro ruim para escapar de predadores. Embora menos comum que seu aparentado macaquito, também depreciativo em relação à tez dos brasileiros, cambá foi um termo muito utilizado na imprensa paraguaia, principalmente no jornal Cabichuí. Ao contrário dos argentinos, os paraguaios hoje denominam os brasileiros de "rapai", ou seja, rapaz afável, expressão neutra que não carrega carga agressiva. Já macaquito, outra expressão utilizada para referência aos soldados de Dom Pedro II, ao contrário de cambá, ganhou notável sobrevida. Permanece viva até hoje, embora seja usada muito mais pelos argentinos contra os brasileiros do que pelos paraguaios. Os dois Solano López, o pai Carlos e o filho Francisco, só se referiam aos brasileiros como macaquitos. O jornal satírico Cabichuí, distribuído pelo comando paraguaio aos soldados, publicou, certa feita, o seguinte decreto: "Proíbe-se sob pena de severas punições que de hoje em diante se chame bombardeio o que faz a esquadra brasileira _ será macacada se ocasionada ao dia; à noite, macaquice". O imperador era denominado "grande-chefe macacão"; o duque de Caxias, "grande-chefe macaquíssimo".
Por fim, caboclo era a forma pela qual os soldados imperiais denominavam os paraguaios durante o conflito. É que, para os brasileiros, qualquer pessoa mestiça de índio devia ser tratada como caboclo, embora a expressão signifique apenas que a pessoa tem ascendência indígena, ou é miscigenada com índios, ao contrário do mulato, branco misturado com negro, ou do cafuzo, negro com índio. Pouco antes da batalha do Tuiuti, um soldado brasileiro fala ao tenente, ao verificar a presença de paraguaios escondidos em um pântano: "Saiba, Vossa Senhoria, que o mato tá avermeiado de caboclos".
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